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Caderno B

A BELEZA QUE DERIVA DO MUNDO, MAS A ELE ESCAPA

Entrevista: em seu 12º disco, Wado traz 12 faixas, otimismo, participações especiais - incluindo Zeca Baleiro e Júnior Almeida - e nenhuma percussão

Por MAYLSON HONORATO DIMITRIA PIMENTEL | Edição do dia 26/09/2020

Matéria atualizada em 26/09/2020 às 05h00

Foto: Alzir Lima
 

Enquanto o mundo em suspensão ensaia um retorno - o tal do “novo normal” - uma voz peculiar e uma viagem intimista ao som dos violões e pianos chegam às plataformas de streaming, no próximo dia 2 de outubro, trazendo consigo mensagens singelas, mas contundentes. Trata-se do aguardado álbum “A Beleza Que Deriva do Mundo, Mas a Ele Escapa”, do cantor e compositor Wado. Com participações inéditas e nenhuma percussão, o catarinense mais alagoano do Brasil defende que o novo trabalho é uma síntese das suas leituras mais recentes do mundo, de uma realidade à beira da loucura, envolta em instabilidades e que se segura no otimismo. No entanto, ele evidencia que o álbum está bem distante de ser um disco político, já que essa leitura é muito mais afetiva do que qualquer outra coisa. O convite, então, é para que se lance um olhar para dentro, para as saudades, nostalgias e paixões. Ao longo dos últimos meses, quatro singles, todos acompanhados de clipes, abriram as portas para o novo disco de Wado. O primeiro single, “Faz Comigo”, canção que o artista divide com a cantora Flora, traz uma “história de um amor que vai ocupando um tamanho grande na vida da pessoa”, segundo o próprio Oswaldo Schlikmann, o Wado. Em seguida veio “Nina”, mais uma colaboração, gravada à distância e durante a pandemia. A faixa traz Wado e Lucas Santtana e “é a perspectiva de quem se entende como parte do machismo estrutural da sociedade e abre o coração para aprender mais sobre o tema, reconhecendo suas limitações”. O terceiro single foi a empolgante “Arcos”, que é uma das poucas faixas do álbum em que o próprio Wado gravou o violão. Composta em parceria com Thiago Silva, a música traz um olhar afetivo, delicado e lúdico sobre a infância. Dessa vez, Yo Soy Toño e Felipe De Vas dividem a canção com Wado. Por último, a otimista “Depois do Fim” mostrou que parcerias de Wado com Zeca Baleiro ainda estão longe de soarem iguais. O samba foi composto e gravado durante a crise de Covid-19 e possui inspirações claras no momento delicado que a humanidade enfrenta. A composição é um vislumbre do mundo pós-pandemia. Após essas amostras, e depois de criar esse clima irresistível de expectativa, o 12º álbum de Wado, “A Beleza Que Deriva do Mundo, Mas a Ele Escapa”, chega com suas 12 faixas e mais participações especiais. Otto, Kassin, LoreB, Júnior Almeida, Thiago Silva, Zé Manoel e Alfredo Bello completam a seleção de artistas que acompanham Wado neste trabalho ousado, cujo conceito é um dos mais complexos da carreira do artista, dado à experimentar sem medo. Wado foi premiado em 2012 no Video Music Brasil, levando o prêmio da categoria Melhor Música, com a canção ‘Com a ponta dos dedos’, que traz a participação do casal Marcelo Camelo e Mallu Magalhães. Ele empatou na votação da categoria e dividiu a premiação com o rapper Emicida, que concorreu com a poesia política de “Dedo na ferida”. O cantor, compositor, artista visual e poeta catarinense mora em Maceió desde os 8 anos de idade. Ele é formado em jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas. Seu álbum de estreia foi o “Manifesto da Arte Periférica”, lançado em 2001. Entre seus álbuns mais recentes foram os excelentes 1977 (2015), Ivete (2016), Vazio Tropical (2017) e Precariado (2018). ‘A Beleza que Deriva do Mundo, Mas a Ele Escapa’ - cujo título vem de um verso do escritor e poeta viçosense Sidney Wanderley - sai pelo selo LAB 344. Com o impulso do bom desempenho dos singles nas plataformas de streaming e a empolgação de ver “mais um filho” nascer, Wado conversou com o Caderno B e comenta sobre o processo criativo, o resultado das experimentações rítmicas do disco e fala até sobre política.

Gazeta. Com que sentimento você chega ao A Beleza que Deriva do Mundo?

Wado. Chego a ele com um sentimento de delicadeza, de civilidade, estava escutando muito [o duo] Kings of Convenience. Esse disco é como se fosse o irmão mais novo do meu disco Vazio Tropical, a proposição dele funcionar sem percussão imprimiu muita leveza, acho que é uma audição prazerosa.


Seus lançamentos são bem frequentes e cada disco possui um conceito diferente. Como é a construção desse conceito? Qual é a proposta de A Beleza Que Deriva do Mundo?

Eu queria que o disco funcionasse sem nenhuma muleta, entenda que instrumentos não são muletas, mas a proposição era de que as canções fossem fortes o suficientes pra ficar de pé por elas mesmas.


Como foi o processo de composição?

Nem percebi que tinha um disco, essa coisa comigo, por ser profissão, é como padeiro, vamos fazendo pão. Num momento percebi que havia algo, por sorte era algo que considero especial. O que foi premeditado foi a forma vazia como decidi produzi-lo. Isso deu um trabalho lascado.


Que Brasil recebe seu novo disco e como você sentiu a mudança no país desde o seu último lançamento? Esse clima que flutua sobre o Brasil atualmente teve ou tem alguma influência?

Esse Brasil não temos ainda noção do que será ou é né, tenho muita vergonha desta nova extrema direita, um país que deu ao mundo o samba, a bossa-nova, o tropicalismo, isso falando só de música... Sair do armário andando pra trás como foi, digamos que foi, é, no mínimo, muito triste. Mas acho que faz parte do nosso autoconhecimento e vamos aos poucos amadurecer e retomar à maravilha que o Brasil foi e novamente será. O ponto onde estamos tem sempre reflexo na minha obra, mas, como já tinha feito um disco bastante político, que é o Precariado, optei por focar em algo mais amplo e otimista neste.


Você tem parcerias interessantes no álbum, incluindo gente da novíssima geração. Pode falar um pouco sobre eles?

O disco é uma imensidade de parcerias, tem muita gente do Brasil e muita gente de Alagoas, adoro isso. Aqui temos a Llari, Cris Braun, Flora, Junior Almeida, Yo Soy Toño, Felipe de Vas e Loreb. Também temos Zeca Baleiro, Otto, Lucas Santtana, Zé Manoel, Kassin, Alfredo Belo, Thiago Silva. Devo estar esquecendo gente, sou fã de todos eles e sem eles o disco seria menor.


Como você pretende divulgar o álbum, já que os shows ainda estão suspensos?

O disco está indo bem, os singles têm uma audiência inédita para mim nos streamings, mas o futuro ninguém consegue prever né, se não chegarmos numa vacina teremos de arranjar outras profissões. Mas mesmo isso não é novidade pra mim, já fiz de tudo pra continuar sendo compositor. Tenhamos otimismo, pois é o que nos resta.


Como foi a relação da pandemia com a produção do disco?

Na pandemia já estava com o disco pronto, só fiz a música com Zeca Baleiro na pandemia. Nos primeiros meses fiquei estudando violão de nylon, comecei a fazer aula, e fiquei em casa cuidando do meu filho e da minha esposa, o que me fez muito bem. Dei sorte também de encontrar o meu selo, LAB 344, eles estão sendo ótimos e isso tudo me dá um mínimo viável de saúde mental.


Como estava o seu mundo antes da pandemia?

Eu já estava numa espécie de período sabático, na verdade, estava encerrando esse período e indo pra São Paulo cuidar da profissão e do disco, mas tive de cancelar. É muito difícil esse momento né, uma doença da humanidade inteira, isso é sem precedentes em muitas gerações, estamos todos estupefatos.


Você trabalha em diversos segmentos artísticos. Ao que você atribui isso, como a arte é importante para você e para o mundo, na sua opinião?

Acredito que artista é um profissional como os outros, tem a mesma dignidade e acredito que o artista deva evitar glamour e sempre relativizar as situações de agruras e glórias. É muito difícil levar a vida, exige muita resiliência. De fato, acho um dos caminhos mais árduos e não o recomendo a ninguém, mas sempre vai ter gente que; ou faz isso ou não faz mais nada. É um tipo de ser humano, toda cidade tem, todo bairro tem, é como pintor, advogado, entregador, é gente normal, nada de mais.

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