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Caderno B

GUILHERME RAMOS REIMAGINA ‘A MULHER DA CAPA PRETA’

Alagoano participa da Antologia ‘Farras Fantásticas’, da editora Corvus, que traz contos de fantasia, ficção científica e terror inspirados nas festas e causos populares do Nordeste

Por MAYLSON HONORATO | Edição do dia 12/06/2021

Matéria atualizada em 12/06/2021 às 04h00

Além de participar na antologia, artista alagoano também assina trilha sonora oficial do lançamento
Além de participar na antologia, artista alagoano também assina trilha sonora oficial do lançamento - Foto: FÁTIMA COSTA/CORTESIA
 

Foto: Reprodução
 

Ariano Suassuna costumava dizer que os mentirosos são parecidos com os escritores, que inconformados com a própria realidade, inventam outras. Em ‘Farras Fantásticas’, uma antologia inusitada que pretende reimaginar o Nordeste por meio da ficção especulativa, 18 nordestinos se encarregaram, justamente, de inventar realidades. O escritor Guilherme Ramos é o nome alagoano no livro, que tem lançamento previsto para setembro, mas que já pode ser adquirido por meio de uma campanha colaborativa no Catarse (ver serviço). Entre ficção científica, fantasia e até terror, o livro mistura as tradições das festas regionais, como o São João, folguedos, como Reisado e Bumba Meu Boi, e causos, como lobisomens e seres encantados ou assombrados. Tudo isso, como se já não fosse suficientemente fantástico, é apenas a base para a imaginação dos autores. Todos os estados do Nordeste estão representados na obra, que além de uma homenagem à cultura popular, fala com os tempos atuais, trazendo novas reflexões e leituras diversas. O alagoano Guilherme Ramos, após ser convidado para a antologia, se deparou com o desafio de sair do lugar comum e reinventar um conto popular. Morador do Prado, bairro de Maceió, ele resolveu reimaginar uma história que assombra e diverte os alagoanos há muitos anos: a lenda da mulher da capa preta. “Dei uma pesquisada, vi que ela aparece em vários outros estados, mas que aqui em Alagoas tem particularidades interessantes. Pesquisei a lenda, minhas próprias memórias, conversei com pessoas mais antigas e acabou saindo uma história, dentro de uma história, dentro de uma história”, diz o escritor. Ele explica que não dará mais detalhes para não dar spoilers do que vem por aí, mas acrescenta: “A lenda é contada no conto, eu apenas subverti um pouco. É uma cebola, tem várias camadas, uma releitura que acaba criando um outro mistério”. O livro é um lançamento da editora Corvus, organizado por Ian Fraser, Ricardo Santos e João Mendes. A campanha colaborativa para viabilizar o lançamento já atingiu a primeira meta e segue recebendo apoios até o dia 20 de junho. Os apoiadores ganharão, além do livro, diversos brindes, que podem ser conferidos no site ‘www.catarse.me/farras’. Além do alagoano Guilherme Ramos, os escritores André A. Lima, Auryo Jotha, Carol Vidal, Cesar Miranda, Chico Milla, Fernanda Castro, Franz Andrade, G. G. Diniz, Henggo, Henrique Ferreira, Igor Chacon, Laís Lacet, Laísa Couto, Márcio Benjamim, Mariana Madelinn, Nina Ladeia e Thiago Lee participam da antologia. A capa é de Caique Pituba (Bahia).


AS INQUIETAÇÕES E INVENÇÕES DE GUILHERME RAMOS

“O Nordeste tem vários nordestes”, inicia o escritor alagoano, ao comentar sobre a importância da antologia “Farras Fantásticas”. Guilherme Ramos já foi ator, dramaturgo, roqueiro, músico, compositor - e ainda é tudo isso. Mas resume a si mesmo como um apaixonado por contar histórias e espalhar beleza em um mundo duro, que ele acusa de “adultecido demais”. A rotina do criador, que também é analista de literatura do Sesc Alagoas, inicia antes de pegar no batente burocrático. Ele começa a explorar a escada da imaginação às 5h da manhã, quando senta para escrever e compor. Do mundo real ele enxerga notas musicais na disposição dos pássaros nos fios elétricos do poste, como fez recentemente no projeto ‘Cantiga pra despertar’, disponível na plataforma de áudio Soundcloud. E ainda vê música nas sombras de objetos e nas formas dos nomes e das letras. Tudo isso, diz ele, é uma busca por encontrar no simples algo diferente. Essa saga pelo inusitado fez o artista começar a compor trilhas sonoras para livros. Inclusive, a trilha sonora que apresenta a antologia com relatos fantásticos do Nordeste é de sua autoria, “tudo é original”, lembra. “O Nordeste, pelo que a gente pesquisa, é a região mais medieval do nosso país. As nossas histórias, roupas, instrumentos, lembram muito a Europa medieval, talvez uma herança de todo mundo que passou por aqui e deixou alguma coisa”, diz Gulherme, falando do flerte das nossas lendas e tradições com o épico. “Eu vejo que, se a gente for olhar, há muita coisa preconceituosa em relação ao Nordeste, quando temos muitos nomes importantes em todas as áreas e já não deveríamos precisar ficar lembrando ao país que o Nordeste é uma das regiões mais valiosas em relação à cultura do Brasil”, reforça o escritor. “Então, o livro consegue fazer com que se abra um portal para atravessar. Nos permite conhecer os nordestes por dentro do Nordeste, de uma forma que as pessoas têm o coração aberto para receber, na fantasia, no suspense, aquela literatura que instiga a imaginação. É um momento de conhecer os estados que estão aqui do nosso lado e que a gente só acha que conhece. O Nordeste tem muita coisa para mostrar e muita história para contar. Não nos contentamos em ser apenas o que acham de nós.” Aos 49 anos, o escritor diz que precisamos nos ocupar em transformar a realidade em algo que seja belo. “Bobagens a gente vê todos os dias. Não quero ser mais um, quero dar beleza para as pessoas.” Durante a pandemia, foi a literatura e a música que fizeram companhia no isolamento, conta, fazendo com que seu olhar para as histórias e sua importância ganhasse novos significados. “Ler essas histórias é uma forma de despertar a criança que temos dentro de nós mesmos e não permitirmos, não nos deixarmos adultecer. O adultecer endurece demais os nossos sonhos. Esqueçam os adultos chatos dentro de si e lembrem das nossas histórias, relembre algo que ouviu na infância, escreva, passe essas histórias para os mais jovens”, convida Ramos. “Querendo ou não, se a gente parar agora de escrever, imaginar e contar histórias, daqui a um tempo elas deixarão de existir. Uma forma de matar um povo é apagar suas histórias e limitar sua capacidade de imaginar.”


SERVIÇO

FARRAS FANTÁSTICAS (Editora Corvus)

Quanto: A partir de R$ 15

Onde: www.catarse.me/farras

300 páginas

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