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CULTURA

EM DEFESA DO SÃO JOÃO

Artistas e produtores culturais lançam carta aberta em que rechaçam cancelamento dos festejos juninos e afirmam que impedir festas não resolve emergência causada pelas chuvas

Por Maylson Honorato | Edição do dia 01/06/2022

Matéria atualizada em 01/06/2022 às 16h12

 

Foto: Itawi Albuquerque/ Secom Maceió
 


Após o Ministério Público Estadual (MP-AL) recomendar que Maceió cancele as festas de São João, que devem ocorrer entre os dias 15 e 30 de junho, artistas e produtores culturais publicaram uma carta aberta nas redes sociais, nessa terça-feira, 31 de maio, chamando atenção para a retomada do segmento e para o drama em que vivem muitas famílias que dependem da cultura e não podem trabalhar desde o início da pandemia de Covid-19.


A recomendação do Ministério Público ocorreu após Maceió decretar situação de emergência por causa dos estragos causados pelas chuvas. Para o órgão, "não é compatível a realização de eventos em uma cidade que decretou situação de emergência em razão das chuvas", como diz trecho da recomendação do MP-AL. O cancelamento das festas na capital, que tem nomes como Gusttavo Lima, Alok e Ludmilla na programação, seguiria o que ocorre em outros municípios de Alagoas, que também foram atingidos e ainda contabilizam prejuízos causados pelos temporais.


Até a noite dessa terça-feira, ao menos dez cidades haviam anunciado o cancelamento das festividades: Barra de Santo Antônio, Marechal Deodoro, Jequiá da Praia, Arapiraca, São Miguel dos Campos, Roteiro, Rio Largo, Feliz Deserto, Santa Luzia do Norte e Satuba.


Para o setor cultural e de eventos, no entanto, a conta não é simples. Em uma carta aberta publicada nas redes sociais, os profissionais evocam a sociedade para que reflita sobre o ônus de um possível cancelamento em Maceió. Eles pedem que sejam pesados os investimentos que já foram feitos, tanto pelo setor público quanto pelo setor privado. Pedem ainda que se considere a posição dramática de quem trabalha na informalidade, como ambulantes, pequenos comércios, garçons, motoristas e outros trabalhadores que integram o setor.


“É triste saber que o pilar da nossa sociedade, que nos dá identidade, e que revela quem somos, é tratado com desdém por parte de alguns, faltando compreensão do real papel econômico e de desenvolvimento que o setor desempenha. Mesmo assim, a cultura segue firme, suportando a pandemia, reinventando maneiras de se ajudar – fazendo Lives para arrecadar alimentos -, como forma de ajudar aos trabalhadores da cultura e do entretenimento. Nossos artistas e produtores nunca baixaram a cabeça para nada, e não será agora!” - diz trecho da carta.


De acordo com a Prefeitura de Maceió, que tem até hoje (1 de junho) para manifestar sua posição em relação à recomendação do MP, os festejos juninos devem movimentar cerca de R$ 100 milhões na economia da capital alagoana. Para os profissionais do setor, essa injeção na economia deve ser ainda maior em todo o Estado, mesmo com os cancelamentos que ocorreram em diversos municípios.


“A informação que temos é de que a saúde está funcionando em Maceió, que a educação está funcionando em Maceió. Então, não vejo motivos para seguir a recomendação do MP, que apenas pediu para que os municípios atingidos pelas chuvas tivessem mais cuidado com a saúde financeira”, afirma James Júnior, um dos articuladores do setor de eventos. 


“Municípios como São Miguel e Coruripe realmente não têm condições de ter São João. Mas podemos transformar essas festividades aqui em mais um símbolo de esperança e resistência. Uma coisa não impede a outra”, continua o produtor.


“QUEM SE PREJUDICA SÃO OS ARTISTAS”

Na carta, o setor pontua que, apesar dos valores altos que envolvem os eventos públicos, muitas vezes não são considerados os muitos atores que atuam no segmento cultural e de eventos, a coletividade. Além disso, há ainda o valor simbólico do festejo popular. “Manter o São João é lembrar das comunidades periféricas, que não deixam a cultura morrer. Manter o São João é apoiar as quadrilhas juninas. Manter o São João é apoiar os trios de forró. Manter o São João é apoiar o coco de roda, o bumba meu boi. É apoiar as culturas tradicionais, é pensar nos que vivem de renda informal”, diz mais um trecho da carta aberta.


“Não é por mim, porque a gente tem outras coisas, procura uma saída. Mas as pessoas não entendem que um show, um evento, tem milhares de pessoas por trás, não é só um produtor. Tem um colega que acaba de contratar mais 100 funcionários para montar estruturas nas festas de São João. São 100 empregos”, revela o produtor James Júnior.


“A gente pega do catador de lata ao ambulante, passando por motoristas, montadores, maquiadoras. Tem gente que vai ficar sem nada. Tem gente que já usou o limite do cartão pra comprar bebida pra vender, gente que financiou o carro para investir, evento não é só festa e cachaça”, reforça.


“O buraco que ficará na economia será ainda maior cancelando o São João. O estado de desalento que essas pessoas ficarão será ainda maior. Quando se fala em evento, muitas vezes só lembram do empresário. Mas atrás desse povo tem muita gente. Só na minha banda são 21 pessoas, 21 famílias que dependem do salário. Investimos em ônibus e equipamentos, depois de dois anos parados. Aí, diante desse desafio, depois da pandemia, vamos desistir?”, questiona James Júnior.


De acordo com os artistas que assinam a carta, que pode ser conferida na íntegra no site Gazetaweb.com, a cultura precisa ser vista como um investimento e não um gasto. “Alagoas é grande e as festas são a salvação para milhares de famílias. O mês começa em um dia, mas as festas começam em quinze, temos tempo para avaliar a realidade e acolher a todos que sofrem com as fortes chuvas. Cancelar agora é precipitação. São João é, também, sinônimo de geração de empregos e economia, movimentando basicamente todos os nichos de comércio. Sim para um São João solidário às vítimas das chuvas. E que cada local de festa se torne também um ponto de arrecadação de mantimentos”, finaliza o documento. 

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