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UM MUNDO VEGANO ESTÁ NASCENDO?

Pandemia do novo coronavírus reacende discussões sobre o consumo de carne

Por Maylson Honorato | Edição do dia 04/04/2020

Matéria atualizada em 09/04/2020 às 04h11

Dieta vegetariana é considerada fácil para alagoanas
Dieta vegetariana é considerada fácil para alagoanas - Foto: Timolina
 


Em meio à pandemia, algumas questões de comportamento e saúde voltaram a surgir nas conversas entre amigos e protagonizam debates acirrados nas redes. É o caso da relação entre o surgimento de doenças e o consumo de carne. Antiga, a discussão não ganhava contornos tão políticos desde a última pandemia da gripe suína, em 2009.


A análise de amostras genéticas trouxeram de volta o pangolim, animal consumido ilegalmente em mercados de Wuhan, na China, ao centro das atenções da ciência, como possível vetor do novo coronavírus (SARS-CoV-2). O animalzinho tinha sido descartado, mas, exemplares apreendidos há três anos e a mais de 1.000 quilômetros de Wuhan (onde tudo começou) foram diagnosticados com vírus geneticamente semelhantes ao causador da Covid-19.


Não é a primeira vez que o consumo de carne é apontado como vilão da saúde humana. Foi assim com os morcegos (ebola), cães (raiva), macacos (AIDS), galinhas (gripe aviária e suínos (gripe suína). Os sucessivos surtos de doenças e essa relação com o consumo de carnes alimentam discussões sobre um mundo cada vez mais vegano. De acordo com Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, é possível que a pandemia ponha em alerta alguns países, principalmente os da Europa, mas dificilmente mudará o cenário de consumo de carne, seja de animais convencionais ou selvagens. “Cada vez que há uma crise, uma epidemia, as pessoas se aceleram e entram em pânico, e leis são criadas ou modificadas”, disse recentemente o diretor Berhe Tekola.


MUNDO NOVO, DIETA NOVA

Muito se tem especulado acerca das mudanças conceituais no mundo e nas relações, quando superada a crise do coronavírus. Um planeta com menor consumo de carne ou com discussões mais assertivas no que tange à ética no abate, são demandas para uma população cada vez maior.


A maceioense Andira Miranda é ovolactovegetariana desde 2018. Motivada por causas ambientais, ela começou a pesquisar sobre o assunto e teve o apoio de amigas que já seguiam a dieta.


“Eu comecei a ver documentários sobre causas animais e sobre a situação dos abates na indústria agropecuária. Eu vi um documentário chamado Terráqueos e decidi que no dia seguinte eu não ia mais comer carne”, conta a universitária. O documentário Terráqueos está disponível no YouTube.


“Eu acho que nenhum animal merece morrer para suprir nossas necessidades. Esse foi o pensamento que me motivou”, completa.


Aos 21 anos, Andira também se diz preocupada com a quantidade de água utilizada pela indústria da carne. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), para produzir 1kg de carne, quase 16 mil litros de água são utilizados, o suficiente para abastecer uma pessoa por 4 meses.


“Eu entendo que a minha decisão, enquanto indivíduo, não vai acabar com o desperdício exagerado de água, nem com o sofrimento dos animais. Mas, se as pessoas pensassem mais nessa linha, em reduzir esse consumo, o mundo seria diferente. E muita gente pensa, o número de veganos está crescendo”, diz.


No ano passado, a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) divulgou pesquisa realizada pelo IBOPE Inteligência, evidenciando um crescimento de 75% no número de brasileiros que se declaram vegetarianos - em relação a 2012, quando a mesma pesquisa foi realizada. Em números gerais, 14% dos brasileiros se declaram vegetarianos ou veganos, enquanto 55% afirmam que consumiriam mais produtos veganos se essa informação estivesse na embalagem dos produtos. O Google Trends também aponta para um crescimento de interesse do consumidor em relação aos produtos veganos. A busca aumentou entre 150% e 250% nos últimos três anos, segundo a SVB.


ADAPTAÇÃO

A técnica em saúde bucal, Priscila Machado, é vegana há 1 ano e 3 meses. A principal motivação foi a saúde e o amor pelos animais. Em relação a alimentação, ela deixa claro que não enfrenta nenhuma dificuldade para se alimentar e que faz cinco refeições ao dia. O cardápio varia entre folhas verdes e escuras, legumes, leguminosas, grãos, entre outros. A dieta foi montada por conta própria, pegando dicas nas redes sociais, principalmente em grupos no Facebook. “Tem dois meses que procurei uma nutricionista especializada em veganismo, mas foi mais por estética. Porque a saúde tá ok”, diz.


Andira Miranda explica que, no começo, foi difícil convencer familiares e adultos de que a dieta ovolactovegetariana supriria suas necessidade de vitaminas e minerais.


“Foi difícil para meus amigos entenderem meus motivos, falavam que eu ia ficar anêmica. Eu até me sentia mal com isso. Mas, hoje, entendem mais a minha escolha eu também compreendi que é uma questão particular. e eu me sinto mais tranquila, sinto que estou fazendo algo de bom, contribuindo para algo que eu acredito ser muito maior.”


A universitária considera fácil se alimentar em uma dieta ovolactovegetariana, mesmo em Maceió, que possui poucas opções de estabelecimentos veganos.


“surgiram hambúrgueres veganos, alguns de soja, falafel, batata, até nas redes que não são veganas. Mas entendo que essa comida pode não ser acessível, é cara. Mas, em casa, fazer comida vegetariana não é difícil. As pessoas tem que tirar da cabeça que é coisa de outro mundo. Você apenas tira a carne. E quando você faz isso, sua mente se abre, percebemos diversas comidas que antes nem tínhamos notado”, diz.


Andira pontua que procurar um profissional de saúde para acompanhar a adaptação de uma dieta carnívora para uma dieta vegetariana e afins é muito importante. Para ela, um polivitamínico foi necessário durante a transição, mas, o que ocorre é uma substituição de alimentos para garantir que eles supram necessidades do corpo.


“Eu procuro falar sobre essa minha escolha de uma forma muito particular. As pessoas ainda têm certos preconceitos e existe muita desinformação. Eu gostaria que mais pessoas fosse veganas, não necessariamente pelos mesmos motivos que eu. Eu não imponho isso, falo dos meus motivos tentando plantar uma sementinha”, finaliza.  

Vegetariana desde 2018, Andira Miranda comenta rotina
Vegetariana desde 2018, Andira Miranda comenta rotina - Foto: Acervo pessoal
 


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