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A QUARENTENA E OS DESAFIOS DA HIPERCONVIVÊNCIA

Cuidados e adaptações são necessárias para evitar traumas do isolamento social, diz psicólogo

Por MARIA CLARA ARAÚJO* ESTAGIÁRIA | Edição do dia 18/04/2020

Matéria atualizada em 18/04/2020 às 06h00

Hiperconvivência é teste de fogo para casais e momento de cuidado com as relações familiares
Hiperconvivência é teste de fogo para casais e momento de cuidado com as relações familiares - Foto: Rawpixel/Freepik
 


A pandemia do novo coronavírus abalou o mundo todo com o isolamento social, necessário para conter a disseminação da Covid-19. Por meio de decretos municipais e estaduais, vários setores, empresas e escola suspenderam atividades e fecharam as portas por um tempo, o que fez com que muitas pessoas fossem obrigadas a conviver com uma frequência muito maior. Definitivamente, a convivência excessiva reflete nas relações familiares. Mas, afinal, a chamada hiperconvivência melhora ou piora o relacionamento familiar?



“Podemos considerar hiperconvivência exatamente essa experiência de convívio quase que full time entre duas ou mais pessoas, voluntária ou não, e que implica um nível de proximidade e intimidade de consequências variáveis para os envolvidos, sobretudo pelo (re)conhecimento do outro”, explica o psicólogo Everton Calado.



De acordo com o profissional, o convívio e a dinâmica familiar por si só já é complexa, porém ao falar da família como um sistema, é crível que ela se reajuste por ela mesma. No caso do isolamento social, a situação deve ser vista como atípica e temporária, exigindo assim uma adaptação de cada pessoa da casa.



“Uma alternativa de fazer desse convívio mais intenso um período menos desgastante é de reconhecê-lo como uma oportunidade de aproximação, de redescoberta do outro, de partilha. Na prática isso se traduz em fazer mais coisas juntos, aparentemente banais, mas de alto valor afetivo, como ver um filme, dividir tarefas domésticas, brincar com as crianças. Estas, bem como os idosos, merecem uma atenção especial nesse contexto, uma vez que com todo mundo fragilizado, o momento pede para que as diferenças sejam deixadas de lado pelo objetivo de superar o desafio da quarentena”, diz o psicólogo.



A estudante de nutrição Tamires Estevam, de 19 anos, mora com a mãe e com irmão e conta como está sendo a sua dinâmica familiar durante a quarentena.



“Então, eu não estou gostando de não poder sair e ver gente. Minha mãe não me deixa nem ir ao supermercado com ela, pois quanto menos gente, melhor. Mas o convívio… estamos conversando mais, as vezes nos estressamos um com o outro, mas não é nada demais. Tentamos nos juntar toda tarde para assistir algum filme”, afirma a estudante.  

Especialista diz que bagagem emocional de cada sujeito vai definir como cada pessoa passa pela quarentena

Everton Calado diz que traumas dependerão do lugar que ocupamos durante a crise
Especialista diz que bagagem emocional de cada sujeito vai definir como cada pessoa passa pela quarentena Everton Calado diz que traumas dependerão do lugar que ocupamos durante a crise - Foto: Cortesia
 


Como uma das principais recomendações preventivas para evitar o contágio do vírus é evitar o contato físico, acredita-se que as crianças não entendem essa situação, o que as fazem querer brincar e manter o contato físico, através de beijos ou abraços. Essa situação pode gerar dúvidas aos pais que não sabem ao certo como conduzir o momento sem causar estresse na família. O psicólogo explica que, mesmo com suas limitações cognitivas e emocionais em função da idade, as crianças estão atentas e conseguem absorver as mudanças de comportamentos e de sentimentos dos pais ou responsáveis.



“É preciso explicar a elas, dialogando em uma linguagem adaptada à sua capacidade, o que está acontecendo e os cuidados e privações que esse momento implica. Desenhos, brincadeiras, histórias entre outros recursos lúdicos podem e devem ser usados com esse objetivo. A internet está repleta de materiais de qualidade produzidos por psicólogas/os e educadores voltadas ao desafio de esclarecer e confortar pequenos numa cenário que se torna muito angustiante para eles também”, explica Everton.



Ao ser questionado se essa hiperconvivência pode trazer futuras sequelas, tanto para as crianças como para os outros membros da família, o psicólogo explica que a dimensão das sequelas psicológicas vai variar muito de pessoa para pessoa, pois vai de como cada um lida e quais são os recursos emocionais da pessoa, principalmente as crianças que são dependentes e contam com apoio e proteção da sua  família, o que torna importante observar como os pais e responsáveis se comportam.



“Por fim, pesará muito que lugar ocupamos nessa travessia: o de quem sofreu pela televisão com o pânico, quem não pôde deixar de trabalhar para se resguardar em casa (como os jornalistas), quem enfrentou esse perigo na ponta (médicos, enfermeiros, etc.), quem experienciou a própria doença e aqueles que perderam um ente querido nesse flagelo”, conclui Everton Calado.

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