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UM INIMIGO DENTRO DE CASA

Fumantes relatam o desafio de largar o vício durante a pandemia e comentam o dia a dia da dependência que mata 400 pessoas diariamente no Brasil

Por MARIA CLARA ARAÚJO ESTAGIÁRIA | Edição do dia 16/05/2020

Matéria atualizada em 16/05/2020 às 06h00

Considerado uma doença crônica causada pela dependência da nicotina existente nos produtos à base de tabaco, o tabagismo é apontado pela Instituto Nacional de Câncer (Inca), como a causa da morte de pelo menos 400 pessoas diariamente, no Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o tabaco mata mais de 8 milhões de pessoas por ano, considerando fumantes e não fumantes, que são chamados de fumantes passivos. Durante a pandemia do coronavírus, principalmente com a descoberta de que o vírus atinge o pulmão, muitos lutam para largar esse hábito, porém a caminhada é árdua.

A droga possui mais de 4.500 substâncias tóxicas, das quais 43 são comprovadamente cancerígenas. Além de causar dependência física e psicológica, cerca de 120.000 mortes ao ano são causadas devido ao uso do cigarro por brasileiros. O tabagismo, além de ser um fator de risco para diversos tipos de câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias, tem feito com que a doença seja encarada com mais seriedade e preocupação pelos profissionais da saúde neste momento de pandemia, especialmente pelo fato de a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, atacar o sistema respiratório, deixando assim os tabagistas mais vulneráveis. Eles, inclusive, integram o grupo de risco do novo coronavírus.

Além do cigarro, o narguilé também é uma preocupação, já que mundialmente seu uso vem crescendo, principalmente entre jovens. O Ministério da Saúde alerta que uma hora de narguilé equivale à fumaça de 100 a 200 cigarros, podendo causar câncer, doenças respiratórias, doenças de boca, tuberculose e pode até causar hepatites virais. A OMS chegou a divulgar recentemente um aviso sobre o risco para fumantes, destacando os narguilés, nos quais há o compartilhamento de mangueira e da piteira.

Voltando ao tabagismo, nesta época de pandemia e devido a todos os riscos a que os fumantes são expostos e que foram intensificados por conta do vírus, muitas pessoas tentam largar o vício, porém encontram vários desafios no caminho, como é o caso de Érica Rocha, que começou a fumar aos 14 anos de idade, e é adepta ao tabagismo há 24 anos.

Érica conta que já teve algumas tentativas para parar de fumar. Na primeira, ela conseguiu parar por 3 meses. Na segunda tentativa, conseguiu parar por 5 meses, mas devido ao estresse não aguentou e voltou a fumar. No início da pandemia, Érica tentou novamente, mas só aguentou uma semana, e, devido ao extremo estresse que veio com a pandemia do coronavírus e o isolamento social, ficou mais difícil de aguentar.

Até alguns anos atrás o tabagismo era visto em propagandas de tv, rádio ou até mesmo levado a sociedade como um sinônimo de ser “descolado”, não havia tantas leis acerca do cigarro, e era comum fumar em ambientes fechados. Hoje em dia, já não é bem assim. O tabagista já não é mais bem visto na sociedade, encara constantemente diversos julgamentos, principalmente agora diante da Covid-19.

Segundo Érica, o que dificulta parar de fumar é a falta de acesso a tratamentos no sistema público de saúde. “Os programas do governo, que há alguns anos atrás eram mais amplos, hoje estão mais restritos, quase inexistentes”, conta Érica.

Há quase dois anos atrás Érica iniciou tratamento no HU, com uma equipe multidisciplinar de médicos, psicólogos e assistente social. Seu tratamento foi com adesivos antitabagista e ansiolíticos para ajudar no processo de abstinência. Ano passado, ao retomar ao HU para recomeçar o tratamento, viu que o programa praticamente não existia mais. Antes, as turmas que eram iniciadas bimestralmente passaram a ser duas turmas por ano. Dificultando o acesso de quem precisa de ajuda para superar o vício.

De acordo com o professor e fisoterapeuta George Márcio, parar de fumar significa diminuir a mortalidade e as doenças crônicas, porém a maioria dos fumantes que param sozinhos, só deixam o cigarro de lado quando já possuem uma doença estabelecida. Na situação em que o mundo se encontra, diante da Covid-19, não buscar tratamento para o vício do cigarro, pode ser um risco.

Érica tem consciência que não consegue parar de fumar sozinha, e que precisa de ajuda, principalmente agora. Porém, não ter acesso a esses programas dificultam seus planos de deixar o cigarro de lado.

“Eu penso todas as vezes em que eu joguei a carteira de cigarros no lixo e no outro dia comprei de novo. Já coloquei na parede de todos os cômodos da minha casa mensagens motivacionais para parar, mas é muito difícil”, afirma.

E, por fim, Érica expressa sua opinião sobre como o tabagismo deveria ser encarado:

“Seria fundamental que o governo e instituições fizessem programas que ampliassem o acesso para as pessoas tabagistas largarem esse vício. E quando uma pessoa deixa de fumar, não está apenas beneficiando a si próprio, mas também as pessoas ao redor que são afetadas pelo fumo, inclusive para o SUS, já que o tabagismo causa várias patologias que desencadeiam mais custos para a saúde pública”, conclui.

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