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“PROFESSORES ESTÃO SENDO LEVADOS À EXAUSTÃO NA PANDEMIA”

Especialista em educação, psicóloga Carla Jarlich alerta sobre possíveis consequências da volta às aulas

Por DA EDITORIA DA REVISTA MARÉ | Edição do dia 27/02/2021

Matéria atualizada em 27/02/2021 às 04h00

As mudanças impostas pela pandemia na rotina dos professores podem afetar a saúde mental desses profissionais. É o que alerta a psicóloga e consultora educacional Carla Jarlicht. Na entrevista abaixo, ela analisa os efeitos desse período e os impactos do ensino remoto no dia a dia das famílias e das escolas. Além de alertar sobre a exaustão, a especialista em educação esclarece que a questão deveria mobilizar a sociedade, já que a saúde mental dos educadores tem impacto direto na vida cotidiana de milhares de famílias.

Gazeta. Num contexto de normalidade, quais são os problemas que costumam afetar a saúde mental dos professores? Carla Jarlicht. A rotina diária de um professor é bastante desafiadora, por vezes, exaustiva. A categoria enfrenta baixos salários, carga horária extensa, falta de estrutura e segurança nas escolas, falta de suporte e tantos outros problemas. Quem pensa que o trabalho do professor se encerra quando ele termina o seu turno de trabalho está bastante equivocado. Além disso, os professores se envolvem com seus alunos, preocupando-se com eles dentro e fora da sala de aula. Isso também pode ser ingrediente de pressão quando o professor não encontra parceria com o aluno, com a própria família e com a escola. Esse conjunto de fatores pode, sim, afetar a saúde mental dos professores que se sentem (e são) extremamente exigidos pela sociedade, pela escola, pelas famílias de seus alunos, pelos próprios alunos e por eles mesmos, que querem realizar um trabalho de qualidade.

Com a mudança repentina para as aulas remotas e depois para o semipresencial, muitos professores sentiram piora na saúde mental. Por que isso acontece? Tudo que é novo desacomoda e inquieta até se tornar conhecido. Devido à pandemia, tudo teve que acontecer sem muito planejamento. Somadas todas as questões desafiadoras já sabidas, os professores tiveram que dar conta também de uma mudança drástica na sua prática de sala de aula. A maioria sequer havia recebido formação para trabalhar remotamente, muitos nem acesso à internet de qualidade tinham. Tudo isso contribuiu para o aumento do estresse. E para além de todas as mudanças ocorridas, havia ainda todos os temores pessoais, novas precauções e lutos trazidos pela pandemia. Imagine que o professor é aquele acrobata que roda vários pratinhos ao mesmo tempo. Todos estão ao seu alcance e nenhum deles pode cair. Todos os seus pratinhos são bem diferentes uns dos outros. Se essa situação já provoca uma certa ansiedade, imagine se, de repente, surge um obstáculo entre ele e os pratinhos. Os graus de ansiedade e de tensão aumentam. Tudo isso pode gerar mais ansiedade, angústia, fadiga mental, principalmente quando o professor não encontra o apoio necessário. Afinal, os pratinhos do professor são inteiramente diferentes daqueles do acrobata e não têm reposição.

Em muitos locais, o ensino remoto migrou para o ensino híbrido, no qual os professores precisam dar aulas presenciais e continuar dando aulas remotas. Como essa nova mudança pode afetar os professores? Todas essas mudanças são ainda muito recentes, mas parece que o conceito de ensino híbrido vem sendo mal compreendido. Ensino híbrido é uma combinação entre atividades no presencial, em sala de aula, como vem sendo realizado há tempos, com o modo online, no qual as tecnologias digitais são ferramentas empregadas para enriquecer o ensino (e não necessariamente com o aluno fora da escola).

Quais são as dicas para os professores melhorarem sua saúde mental e lidar melhor com esse período? A pandemia abalou três necessidades básicas do ser humano: a pertença (relacionada aos vínculos afetivos, à importância de se sentir compreendido), a competência (relacionada à capacidade de estar no controle) e a autonomia (relacionada à nossa capacidade de tomar decisões, tendo em vista as consequências). Precisamos observar os sinais de cansaço, irritação, ansiedade e tristeza. Sempre que algum sentimento impede aquilo que precisamos realizar, é preciso ligar o sinal de alerta. Respirar, falar sobre o assunto que aperta o peito e buscar ajuda especializada podem ser alguns caminhos.

Todos os olhares estão voltados para os professores atualmente, como isso reverbera nos profissionais? Sim, vivemos um momento em que todos os olhares se voltam para eles, como se estivesse apenas nas suas mãos a solução para os problemas gerados pela pandemia. Para não cair na cilada do herói, é importante que os professores entendam que são primeiramente humanos e que por isso, podem direcionar para si mesmos o olhar generoso que direcionam para os seus alunos, respeitando assim, os seus próprios limites. É fundamental reservar em alguns pontos da semana ou do dia para relaxamento. Às vezes, parar dez minutos para tomar um café longe da tela pode ser tudo que se precisa para arejar a cabeça. Se puder se exercitar ou apenas esticar o corpo, melhor ainda! Outra coisa importante é se perguntar quanto às prioridades. Quais são as prioridades? O que é urgente de verdade? Será que é possível distribuí-las, endereçá-las melhor ou até partilhá-las com alguém?

Foto: Acervo pessoal
 



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