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MARÉ

SOBRE UMA FANTASIA SERTANEJA DE MADEIRA

Peças únicas, simplicidade que encanta e histórias para contar; como foi o encontro dos artistas Jasson Gonçalves e Ser.tão

Por Felipe Miranda e Maylson Honorato | Edição do dia 31/07/2021

Matéria atualizada em 31/07/2021 às 04h00

Às margens do município de Belo Monte, um Rio São Francisco majestoso não esconde sua força. Ora calmo, ora revolto, o Velho Chico parece abençoar as comunidades que se estabeleceram por toda a sua extensão. Em um fim de tarde nublado, ele descansa - e não muito distante do centro da cidade, um artesão de 67 anos parece não saber o que é isso. “Eu durmo pouco para trabalhar muito” — é o que diz Jasson Gonçalves da Silva, nascido e criado no povoado de Monte Santo, onde hoje mora com toda a sua família. Quem já ouviu falar dele e das suas obras, não imagina que conhecê-lo pessoalmente pode ser ainda mais encantador. Entre poucos trechos asfaltados e muitas estradas de barro, pouco mais de uma hora se passa até chegar ao sítio onde Jasson se estabeleceu. A paisagem e atmosfera dessa viagem é típica do Sertão: há o sol de rachar, o vento frio cortante, o verde saturado provando que a chuva esteve ali, o gado que se equilibra nos montes ao longe e a poeira que sobe a cada curva. É bonito demais. Em um domingo preguiçoso, há gente nas calçadas e olhares curiosos. Parece que todo mundo sabe que aquela fileira de carros está indo de encontro ao senhor que consegue materializar com detalhes surpreendentes a obra de arte que vai surgir de um galho ou tronco achado no meio da mata. Jasson transforma madeira em obra de arte. Cadeiras, carrancas, elementos da fauna e flora local. Sua versão disso tudo de um jeito mágico. A versão pelos olhos de um homem que já foi pedreiro, servente, mecânico e soldador. Hoje ganha a vida fazendo o que mais gosta.

“Eu já fiz muita coisa nessa vida. Trabalhava com argila, barro e gesso antes de pegar na madeira. Primeiro eu fazia a forma do gesso, e da forma fazia a peça”, explica ele, com um olhar que vaga por anos e anos de experiência. De sobrevivência e trabalho duro. “A mudança do barro para a madeira veio através de Maria Amélia, que apareceu de surpresa por aqui, sem eu esperar nem nada, e me desafiou à mudança. Eu fiz um cavalo de boneco, ela gostou e dei continuidade a essa nova fase. Tem dado certo até hoje”, diz. A mulher dessa história é o nome por trás da Galeria de Arte Karandash, de Maceió. Pintora, artista e impulsionadora da arte contemporânea e popular em Alagoas.

Essa história, em particular, aconteceu em 2015 e provavelmente Jasson não esperava que sua arte fosse rodar o mundo, mas foi exatamente isso que aconteceu. Ele ganhou admiradores. Design Weekend, MADE, Festival Artesol e Semana de Design de Milão são alguns dos eventos importantíssimos que suas criações estiveram presentes, impressionando a todos, sendo cobiçadas e vendidas e - talvez o ponto mais importante - transformando sua vida para melhor.

Timbaúba, algarobeira, imburana… A matéria-prima varia, mas a assinatura está ali: os animais coloridos, as flores e frutas típicas da região, os personagens místicos, míticos e únicos. “Eu gosto de começar a botar a mão na massa antes de o sol nascer. Trabalho pela manhã porque adianto o serviço. É mais gostoso e tranquilo do que começar tarde. Isso é muito importante para o trabalho que eu faço”, revela. Os vizinhos do povoado já se acostumaram a vê-lo trabalhar nos primeiros raios de luz do dia.


JASSON E SER.TÃO

Após incontáveis ligações e uma parceria de sucesso, Jasson conheceu, finalmente, a Ser.tão’ - artista visual multiversa, performática, experimentalista e contemporânea. Ser.’tão passeia por diversas linguagens e dialoga com diferentes expressões artísticas, do design de peças ao muralismo.

Ele talhou a cadeira, ela pintou. Ele imaginou a história, ela deu vida aos elementos que faziam parte desse universo. Semanas de esforços de ambas as partes - da busca da madeira à concepção das cores e discurso imagético -, a cadeira foi vendida em poucos minutos, após uma simples publicação nas redes sociais. A simplicidade é uma tônica, na verdade. Falar pouco, dizer muito - e tudo, através dos detalhes. A fantasia dos dois fez sentido e em um domingo de sol, Jasson matou uma galinha para receber Julia juntamente de sua equipe. Um gesto de afeto e boas-vindas muito comum nos interiores do Nordeste. Comer bem é sempre um afago na alma. O encontro entre os dois rendeu.

“O trabalho dela é um encanto para mim. Eu amei. É muito bacana mesmo. Quando ela pediu permissão para pintar uma cadeira minha eu já consegui visualizar o que vinha pela frente. Graças a deus foi um sucesso e daqui para frente faremos várias coisas juntos”, conta o artesão.

Para Julia, a experiência toda ainda está sendo digerida. Aos poucos.

“Jasson é um lembrete vigoroso de que fazer o que se ama é revolucionário. Aos 60 e tantos anos, ele tem a força de um jovem e sua criatividade é inspiradora. Honra a minha poder aprender com ele”, conta. Sua visita ao sítio onde o artista mora foi regada a diálogos sinceros e trocas de figurinhas. “Pisar no ateliê onde ele cria foi como uma benção. Vê-lo falar de sua rotina com tanto brilho no olhar é indescritível. O mundo inteiro precisa ter o privilégio de conhecer sua história e arte”, afirma. Sensível e acessível, de se perder entre tudo que ele quis dizer ali. O que brota do Sr. Jasson é herança. O que ele cria com as mãos já calejadas de um sábio, é parte da história da arte popular brasileira.

“A criatividade que eu tenho é um dom que Deus me deu. Não tenho dificuldade alguma com a madeira e toda peça que eu faço é única”, reforça ele, dizendo que recebe muitos pedidos para a confecção de peças já lançadas. “Eu dependo do que a mata me dá para criar. Não se encontra dois galhos iguais nunca, então tudo que faço tem suas particularidades.” Essas excursões mata adentro fazem parte do processo criativo de Jasson. “Saio em busca, procuro, mapeio o que me serve e vou atrás do transporte para trazer para o ateliê. Meu trabalho tem várias etapas.”

Lojistas, galeristas, colecionadores, todos querem algo de Jasson - e ele está disposto a seguir produzindo por muitos e muitos anos pela frente. Levando o nome de Alagoas e sendo parte de um grupo sertanejo cada vez maior e talentoso de nomes reconhecidos. Um movimento, felizmente, em ascensão. “Arte para mim significa a minha vida e a de toda a minha família. Tudo mudou através desse trabalho. Eu amo o que eu faço, então não tenho do que reclamar. Para mim é um orgulho estar nisso e agradeço ao público que está valorizando cada vez mais o que eu faço.”

É possível encontrar mais do trabalho do Sr Jasson e da Ser.tão’ nas redes sociais - vale seguir os perfis @jasson_artesao e @s.e.r.tao. Eles já trabalham juntos em uma série de cadeiras únicas e limitadas. O que vier dessa parceria vai encantar, como tudo sobre essa história.

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