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Opinião

DO DISCURSO À REALIDADE

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Por Marcos Davi Melo. médico e membro da AAL e do IHGAL | Edição do dia 26/09/2020

Matéria atualizada em 26/09/2020 às 06h00

Camões escreveu nos Lusíadas sobre as conquistas dos grandes navegadores lusitanos: “... Não se faz comércio com guerras”. A assembleia da ONU já viu imensas bizarrices, como Kruscshev bater com o sapato na mesa para chamar a atenção do plenário. A ONU perdeu relevância, mas ainda serve para alguns mandatários fazerem proselitismo. Trump culpou a China pela “criação” da Covid-19. Deng Xiaoping afirmou que a China é uma democracia. Já o presidente da República afirmou que o Brasil sofre uma “das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia”, garantindo que nosso país é o que mais preserva o meio ambiente e quem queima a mata é índio e caboclo, colocando em dúvida os dados brasileiros sobre o desmatamento coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e dos satélites da NASA. Garantiu que cuidou muito bem da pandemia de Covid-19 e que existe uma “Cristofobia” no país. Apontou que os investimentos estrangeiros estão indo bem em seu governo...

O discurso do presidente da República na ONU descreveu uma realidade paralela que é rejeitada pelos interlocutores internacionais e contraria os dados do próprio Banco Central (BC),que mostram que o Brasil está perdendo a atratividade para os investidores estrangeiros. Os efeitos da crise global provocada pela pandemia e as incertezas em relação à retomada da trajetória do controle de gastos públicos no próximo ano reduziram o apetite pelos ativos brasileiros. Com o avanço de queimadas e desmatamento, esse quadro tende a se agravar, segundo especialistas e setores. Os dados do fluxo cambial mostram um quadro inédito de saída de recursos externos. Nos primeiros meses deste ano, US$ 15,2 bilhões deixaram o país, o maior volume para o período desde que o Banco Central (BC) começou a compilar as estatísticas, em 1982. Além disso, os investidores estrangeiros retiraram R$ 87,3 bilhões da Bolsa de Valores brasileira de janeiro a 17 de setembro de 2020. Isso é quase o dobro do registrado em todo o ano passado, quando saíram R$ 44,5 bilhões. Investimentos caíram em 27%, segundo a audiência no STF com Armínio Fraga, pela piora da imagem do Brasil no exterior. O mesmo obscurantismo que nos prejudicou e nos prejudica no combate à pandemia nos afeta também nos temas ambientais - disse Fraga. A imagem negativa do Brasil no exterior se agrava e existe ameaça real de nos tornarmos um pária mundial. O desmatamento e outros crimes ambientais, além de agravarem o problema global, trazem enorme risco para o ecossistema do agronegócio, nosso setor mais bem sucedido.

A insensata politica ambiental torna o acesso crescentemente mais difícil para os produtos brasileiros, como recentemente ocorreu com a União Europeia e a ESG, sustentada no trinômio meio ambiente, social e governança. O vitorioso agronegócio tecnológico brasileiro enfrenta, além da concorrência externa e a degradada imagem nacional, a concorrência nacional do agrotroglodita. Atualmente, a empresa que faz algo não sustentável terá que encerrar as atividades. Quando Bolsonaro faz esse tipo de discurso delirante (como anteriormente denunciou sem provas nos EUA que a sua eleição tinha sido fraudada), alimenta a sua base eleitoral para quem o discurso é direcionado, mas, paralelamente, afugenta os investidores, que além não enxergarem perseguição aos cristãos no Brasil, nem eleições fraudadas, estranham um presidente participar de manifestações antidemocráticas, coisa que nem o Trump jamais imaginou fazer, pois seria impichado imediatamente.

O general Heleno, aprioristicamente à assembleia ONU, alardeou que existe uma “conspiração” para derrubar o governo: atualmente são os maiores bancos e empresários nacionais que, atentos ao cenário internacional, apelam para o governo acordar e fazer a sua parte. Ninguém quer derrubar governo. O presidente da República pode querer estimular esse clima belicoso-eleitoral na sua base, mas, como já afirmava Camões, o Brasil precisa é de pacificação, equilíbrio e seriedade, alinhados aos fatos, para evitar a fuga de capitais, esperança de nossa recuperação no pós-pandemia.

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