Milhões de eleitores vão às urnas para escolher o próximo presidente dos Estados Unidos, numa das disputas mais acirradas dos últimos tempos. Virtualmente empatados nas pesquisas de intenção de voto, a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump estão de olho em sete estados que historicamente não têm preferência por nenhum dos partidos e vão ser decisivos na corrida à Casa Branca.
Um dos fatores que vão pesar no resultado é a economia. O custo de vida aumentou, e a inflação persiste, pressionando especialmente a classe média.Apesar de os indicadores econômicos serem favoráveis, a percepção da maioria dos americanos é de que a situação piorou nos últimos anos.
No total, mais de 244 milhões de americanos estão aptos a votar. Nas últimas semanas, mais de 57 milhões já votaram antecipadamente, pelo correio ou presencialmente.
As eleições são indiretas, via colégio eleitoral, o que significa que não necessariamente o candidato mais votado pela população será eleito. Entenda.
Em paralelo à corrida presidencial, também haverá eleições para a Câmara dos Deputados e o Senado. Hoje, a Câmara dos Representantes, presidida pelo deputado republicano Mike Johnson, é dominada pelo Partido Republicano por uma pequena margem de diferença.
A renovação das 435 cadeiras abre a possibilidade para que os republicanos aumentem essa vantagem ou para uma mudança no jogo de poder, com a volta dos democratas.
No Senado, estão em disputa 34 vagas, pouco mais de um terço dos assentos. O desafio para os democratas é tentar se manter à frente - atualmente, o partido só conseguiu maioria por conta do apoio dos candidatos independentes.
VOTAÇÃO
O horário de votação nesta terça varia em cada um dos 50 estados, que têm as suas próprias regras eleitorais, além de haver quatro fusos horários no país, o que torna a coisa mais complexa.
As urnas serão fechadas por último no Alaska e no Oregon quando forem 2h de quarta-feira (6) no horário de Brasília.
A contagem de votos começa horas depois de fechadas as urnas e, historicamente, é possível conhecer o presidente eleito antes mesmo de todos os votos terem sido contabilizados.
Mas especialistas não esperam resultados na noite da eleição, principalmente em alguns estados decisivos. Em 2020, a eleição foi no dia 3 de novembro e, só no dia 7, as projeções apontaram o democrata Joe Biden como vencedor.
COLÉGIO ELEITORAL
O candidato mais votado em um estado leva todos os delegados do Colégio Eleitoral daquela área, mesmo que ganhe por apenas um voto. Tem vantagem o candidato que vencer nos estados que possuem o maior número de delegados
Ao todo, são 538 delegados e, para ser eleito, o vencedor precisa conseguir o voto de pelo menos 270. Veja aqui quantos delegados cada estado tem.
ECONOMIA
A confiança da população americana na economia quase nunca foi tão baixa pelo menos desde 1961, quando há dados disponíveis. Para ser específico, o índice anual de confiança do consumidor da Universidade de Michigan em 2024, considerada a situação atual do entrevistado, apenas é inferior ao de 2022, ano ainda de rescaldo dos efeitos da pandemia de Covid-19.
O indicador de Michigan, um dos mais cotados do tipo nos Estados Unidos, em geral está baixo ou em baixa notável apenas em períodos de recessão econômica. Mas os EUA estão longe de uma recessão, a taxa de desemprego é das menores em cerca de 50 anos, a taxa de população ocupada é recorde, a inflação cai, a produtividade cresce. A economia vai bem e o povo vai mal? Ou o choque inflacionário de 2022 e a dita polarização política ajudam a explicar essa grande, histórica, insatisfação?
A renda per capita, no caso o valor do PIB dividido pela população, é 12% superior ao do início de 2019, ano imediatamente anterior ao da pandemia, desempenho muito superior ao de outros países ricos (considerando as estimativas do FMI para o crescimento desde 2024).
No Japão, o crescimento no período foi de 3,3%. Na Alemanha, de nada. No Reino Unido, de 2,2%. Na França, de 3,7%. O Canadá regrediu.
Mas, para 52% dos americanos, a sua situação é pior do que há quatro anos; para 39% apenas, está melhor; 9% dizem estar na mesma, segundo pesquisa de setembro do Gallup.
O índice do instituto mostra que a confiança econômica apenas esteve mais baixa nos meses de 2008 e 2009, da Grande Recessão, e de 2021 e 2022, ainda sob efeitos da Covid.
Faltam dados mais precisos e recentes que ajudem a explicar a grande insatisfação americana, como os de distribuição de rendimentos e benefícios sociais por classe ou região.
Mas há indícios e algumas hipóteses comuns entre observadores dos EUA. A primeira pista vem do próprio Gallup.
Entre eleitores do Partido Democrata, 72% consideram que sua vida está melhor do que em 2020. Entre os independentes, 35%. Entre os adeptos do Partido Republicano, 7%. A pesquisa é de meados de setembro.
Outra hipótese citada com frequência por economistas para o baixo ânimo econômico é o efeito persistente do choque inflacionário.
A inflação anual chegou ao pico de 9,1% em junho de 2022 —a última vez em que a média de preços ao consumidor aumentara tanto assim havia sido em 1982. A inflação anual baixaria para 2,4%ao ano, em setembro passado.
Mas o choque deixou marca forte e recente no poder de comprados salários. O valor real do salário médio do pessoal empregado na produção, em funções que não sejam gerenciais, aumentou 4,4% em termos reais em relação a 2019, ano imediatamente anterior ao da epidemia (dados calculados nos 12 meses até setembro com base nos números do Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA, descontada a inflação do Índice de Preços ao Consumidor).
Nos sete anos anteriores, de 2012 a 2019, aumentara 7,8%, ritmo anual quase 25% maior. Para todos os empregados, os números são respectivamente 1,7% e 7,7%. Além disso, o salário apenas começou a superar a inflação, a ter ganhos reais, em meados de 2023.
O choque visível dos preços no poder de compra apenas passou a ficar notável, um aumento então de quase nada, faz pouco mais de um ano. O choque inflacionário deve ser apenas parte da explicação do desânimo. Leia mais sobre a eleição nos EUA nas páginas A5, A6 e A7.